“Nunca podemos achar que catástrofe é o fim de tudo, pode ser o começo, como foi no meu caso.”

Edvânia Toledo tem 54 anos, é pernambucana e há 15 anos mora no Rio de Janeiro. Ao contrário do que os romances mais floridos possam querer contar, não foi uma história feliz que a levou até a Cidade Maravilhosa, mas sim uma história de dor, apesar de sempre envolta em muito amor. Quando seu filho Gabriel tinha quatro anos, ela descobriu que ele desenvolveu um tumor raro, na região da cabeça. Após idas e vindas em consultórios médicos, ter de abandonar o emprego e ouvir que a chance de sobrevivência dele era de apenas 1%, ela se agarrou à chance que tinha. Hoje, Gabriel tem 19 anos. Depois de tanta ajuda recebida ao longo da vida, ela decidiu empreender para ajudar os outros e fundou uma cooperativa de cuidadores de idosos, a Auxilium.

Ter um filho, que você brigou para ter, e ouvir a ciência dizer que ele vai morrer é difícil.

Ao HuffPost Brasil, Edvânia explica que sua vida anterior ao nascimento de Gabriel foi fundamental para ela compreender o processo que passaria com o tratamento do menino. Antes da gravidez ela havia trabalhado como acompanhante de pacientes, e em várias outras funções dentro de unidades hospitalares. Sabia como funcionava. Quando teve de correr de um lado para o outro em busca de uma solução para o calvário de seu caçula, sabia como argumentar, o que dizer e quem procurar. No Rio e em Recife.

“O universo oncológico é paralelo, a construção de mundo é totalmente diferente, principalmente de crianças. A gente não tem a educação de que crianças morrem, então ter um filho, que você brigou para ter, e ouvir a ciência dizer que ele vai morrer é difícil. Mas ele não vai morrer”, relembra.

O tumor de Gabriel se manifestou aos poucos. Primeiro, um estrabismo, depois, um pequeno inchaço no globo ocular, que o “forçava” para fora. Quando surgiram as hemorragias e um médico disse que era apenas um vaso rompido, Edvânia bateu o pé e disse que só sairia do hospital depois de um pedido de bateria de exames. Pouco tempo depois, o diagnóstico do câncer chegou. O tumor de Gabriel se caracterizava principalmente por atingir toda a estrutura óssea da face, e podia realmente deixar o rosto do menino até deformado.

Ter um filho, que você brigou para ter, e ouvir a ciência dizer que ele vai morrer é difícil.

Quando, em Recife, recebeu a notícia que apenas, talvez, o Instituto Nacional do Câncer, na capital fluminense, poderia salvar seu filho, ela não titubeou: sabia que viajaria. Um amigo deu a passagem, um conhecido arrumou uma casa para passarem as primeiras noites e muitos anjos abriram portas para que o Gabriel fosse recebido no INCA. No dia 22 de julho de 2005, Edvânia e Gabriel aportaram no Rio. Desde então, nunca mais saíram. Nos primeiros dois anos, moraram numa casa de apoio a crianças com câncer, e foi lá dentro que Edvânia se redescobriu profissionalmente.

Depois dos primeiros nove meses de tratamento e rotina quase diária no INCA, Edvânia fez todos os cursos que a casa na qual morava disponibilizava: cabeleireira, podóloga, maquiadora, esteticista. A partir dali, começou a promover ações dentro da casa, para que as mulheres não perdessem de si mesmas.

“Por que tenho que ser feia porque meu filho tem câncer? Por que eu não tenho que me cuidar? Antes de ser mães, somos mulheres, então quis trabalhar essa autoestima. Quis mudar isso, e empoderar a mulher até financeiramente. Eu sempre tive uma necessidade de ser útil”, afirma, que começou a trabalhar ainda muito jovem, para não passar fome.

Antes de ser mães, somos mulheres, então quis trabalhar essa autoestima.

Paralelamente a esse trabalho, Edvânia continuava a luta para a cirurgia de Gabriel, aquela que tinha 1% de chance: “Demorava muito, até que um dia eu falei que ele tinha uma chance quando chegamos, mas que se não operassem logo, ele não teria uma chance nenhuma e a culpa seria do hospital”, conta ela.

Pouco depois, o médico a chamou e avisou que Gabriel ficaria “sequelado, inerte e vegetativo”, questionando se ela queria seguir com o tratamento. Ela aceitou, e confiou: “Todo ser humano merece uma chance, qualquer ser humano, e aquele ser humano era meu filho. Como dizem que ele vai morrer se ele está vivo? Sem lutar? Jamais, era inadmissível”, afirma com forças nas palavras, como quem lembra dos dias de luta.

Se você não acredita na vida, ela não te responde.

Para convencer os médicos a fazer a cirurgia arriscada, Edvânia lembra que propôs ao médico estudar o caso de Gabriel, com o eventual corpo dele, caso o procedimento realmente desse errado. Ele aceitou. Em três de abril de 2006, ele foi operado durante 14 horas. Ele saiu vivo, mas com as sequelas de perda de visão e o rosto com características típicas de reconstrução de face. Nenhuma sequela cognitiva. Até hoje, entretanto, a família continua com os acompanhamentos médicos e o monitoramento da doença.

“Se você não acredita na vida, ela não te responde. Eu tinha e eu tenho o acreditar em mim, mas eu nem sabia disso”, afirma Edvânia ao lembrar do momento em que decidiu viver o Rio. Saiu da casa de apoio, pediu para uma voluntária alugar em seu nome uma casa pequena e ali nos pequenos cômodos atendia seus clientes. Com sua pequena mala embaixo dos braços, ia para qualquer canto da cidade trabalhar.

“A história dele me puxou para saber que eu precisava empreender. Eu atendia artistas, atendia todo o tipo de clientes. Fazia cabelo, unha, massagem. Não podia ter trabalho fixo porque os locais não entendiam a dimensão dos cuidados que o Gabriel ainda inspirava”, relembra.

A história dele me puxou para saber que eu precisava empreender.

No começo do caminho de empreender, Edvânia voltou a acompanhar pacientes em hospitais, como fazia em Recife. Nesse trabalho, via muitas pessoas em busca de trabalho e também “muita coisa errada” nos lugares que empregavam. Desta forma, juntou parceiras e fundou a Auxilium, uma cooperativa de trabalho, em 2015. Paralelamente à atuação na empresa, ela continua trabalhando como cabeleireira, maquiadora e afins.

Edvânia vê que depois de quatro anos, acumulou boa reputação na cidade. Hoje são 53 pacientes e uma média de 200 trabalhadores em escala. “E se eu não tivesse buscado naquela catástrofe algo de bom? O que é ruim, é ruim, mas não vai durar para sempre, assim como é o que é bom. Hoje eu me sinto realizada, mas eu quero mais. Gerar mais trabalho, quero que impacte muito mais pessoas”, afirma.

Com mel nas palavras e sorriso farto, pontos que ela mesmo destaca, Edvânia conta que não tinha outra forma de construir sua trajetória se não fosse assim. “Nunca podemos achar que catástrofe é o fim de tudo, pode ser o começo, como foi no meu caso. Eu nasci duas vezes, assim como o Gabriel. Foi e está sendo muito importante.”

___

Ficha Técnica #TodoDiaDelas

Texto: Lola Ferreira

Imagem: Valda Nogueira

Edição: Andréa Martinelli

Figurino: C&A

Realização: RYOT Studio Brasil e CUBOCC

O HuffPost Brasil lançou o projeto Todo Dia Delas para celebrar 365 mulheres durante o ano todo. Se você quiser compartilhar sua história com a gente, envie um e-mail para editor@huffpostbrasil.com com assunto “Todo Dia Delas” ou fale por inbox na nossa página no Facebook.

Todo Dia Delas: Uma parceria C&A, Oath Brasil, HuffPost Brasil, Elemidia e CUBOCC.

Matéria original: https://www.huffpostbrasil.com/entry/edivania-toledo-mae_br_5c5e3b7de4b0f9e1b17d3a19?fbclid=IwAR24mIQBT3YALNWOWQhnWgU5h5jXdTDidkKucLl5uT6rd97fyxqS1PhcOeE

DESTAQUE

“Nunca podemos achar que catástrofe é o fim de tudo, pode ser o começo, como foi no meu caso.”

EDVÂNIA TOLÊDO

ESCRITÓRIO

+55 (21) 3197-2556
+55 (21) 99449-9079